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domingo, 21 de junho de 2015

A Recuperação!

E então caros amigos, depois de uns dias longe da redação do blog que tanto gosto, cá estou novamente para trazer as boas novas e dividir com "usteds" minha corrida ao encontro da expedição!
Agora que começo esta postagem, ainda não estamos firmemente reintegrados, mas a ampulheta mostra que não há areia para mais 24 horas antes deste fato definitivo. É possível que até que estes escritos estejam on line, estejamos já com a expedição recomposta! Oba!

Nesses dias que se sucederam desde minha saída de Cusco até aqui,  tive uma imersão total na pilotagem e no controle emocional, para que pudesse avançar rápido, porém sem exceder limites seguros. O cansaço foi a tônica e o equilíbrio entre andar e parar deram o compasso da tocada.

Desde Piúra, a minha última postagem, até hoje, se passaram 05 dias, dos quais somente hoje, não andei muuuiiito de moto. O que não é um sacríficio para quem gosta tanto quanto eu, porém não deixou de ser um desafio, uma vez que os objetivos diários foram factíveis, todavia audazes.

No dia em que fui para Piúra, passei pelo Deserto de Ica, desde que saí de Nasca, com estradas boas e pouco trânsito percebi que poderia ganhar espaço e foi o que fiz, parando mais de 200km adiante do ponto alcançado pelos nobres Achilles e Gustavo, alguns dias antes.
Para conseguir tal objetivo, combinei com Valentine que teríamos que nos ajudar. Eu à conduziria rápido e carinhosamente e ela não me surpreenderia de uma forma que eu não pudesse controlar. E assim se sucedeu.
Como tivera  a tentativa de roubo do GPS, que me consumiu horas de trabalho em Cusco e não queria deixar os expedicionários me esperando em Bogotá, optei por seguir mesmo com algumas avarias, como guidão, malas  e espelho tortos e uma parte da carenagem raspando na suspensão dianteira. Isso não compromete a moto estruturalmente, mas me fez reconfigurar os reflexos da pilotagem e treinar o ouvido para não estranhar alguns "clancs" e "plecs".
E foi assim meio de lado, ao estilo "Olhar 43 "do RPM que fui me entendendo com a Valentine e devagarinho ganhando confiança. Isso se deu a tal ponto que consegui andar de fato muito forte e chegar a Piúra  no mesmo dia, desde Nasca. Lembrem-se que aqui ninguém sabe quantos quilômetros uma cidade dista da outra, a medida é feita em horas, tamanho os desafios das estradas. E mesmo numa estrada como esta, que postei anteriormente, o vento e a areia são desafios que exigem atenção e cuidados. Outra hora escreverei sobre pilotar no Peru. Pra mim a experiência mais desafiadora até hoje. Todos os parâmetros que vamos criando no nosso cotidiano motociclístico é contestado pelo relevo e aspectos climáticos desse país. Como somos acostumados a planejar em "Km rodados", minha dica mais preciosa aos que desejam se aventurar por aqui é que não contemplem planejamentos maiores do que 450 km por dia!

É nesse cenário de curvas sem visão, montes e desfiladeiros que a história das rutas peruanas se escreve.


Bem, no dia seguinte, meu objetivo era de ir ao extremo  norte do Peru, ficando mais próximo da divisa com Equador. Eram 7 da manhã e eu já estava ao lado da moto para a partida, quando noto uma pequena mancha de óleo em torno do tapador de pó da transmissão traseira, próximo à roda. Olho com mais atenção e vejo outra mancha no parafuso de drenagem do óleo e a roda toda lambuzada. Era fato: eu estava perdendo óleo da transmissão! Teria exigido demais de Valentine e super aquecido o óleo? Teria a transmissão sido danificada no acidente? E se a roda travasse repentinamente, poderia cair um tomo sério? E se a transmissão quebrasse? Seria o fim da viagem.
Em 05 minutos, toda a alegria e a expectativa do novo trecho se tornaram uma tempestade de dúvidas que se desmembravam em "n" caminhos em busca da solução.
Era muito cedo e o comércio só abriria as 10h. Eu não ficaria esperando! Saí com a moto em um ritmo moderado e desatento ao trânsito, só pensando no que poderia se suceder daquela ingênua mancha de óleo.

Já está bem batido, mas amizades são catalizadas pelo mototurismo.


Uma hora adiante, sem notar nada de diferente no comportamento de Valentine, avisto um pequeno "comedor" à beira da estrada e ao lado uma casinha de madeira ao velho estilo meia água, com galões de óleo para caminhões. Decido parar e checar a transmissão. Com sinal de celular, começo a me comunicar com meu guru para assuntos mecânicos, o querido e atencioso Japa, da Suzuki de Chapecó. Pelas informações que transmito, a hipótese por ele levantada é a de que eu teria "fervido o óleo" por ter levado à risca as mensagens de apoio que diziam : "taca-lhe pau!".

Mão na massa!


Teria que abrir os drenos, repor o óleo e observar ao longo do dia. Muito simples na oficina do Japa, mas nem tanto no deserto de Ica. Duas horas se passaram e com muita atenção, Jorge o proprietário da tenda de óleo sugeriu que seu filho que fazia engenharia em Piúra, pudesse providenciar o óleo 90 para a transmissão. Tudo feito, voltei pra estrada e já podia ver pelo espelho torto de Valentine que meu sorriso começara à surgir novamente.  Era hora de fazer um novo pacto, o de estabelecer um limite de velocidade  compatível com a saúde de Valentine para evitarmos esses aborrecimentos.  Desta forma, a cadência deveria superar a potência. Me parece que a vida nos pede isso. Aprendi!

Como na música de Almir Sater, após compreendido a marcha era hora de seguir em frente.
Deixei o território peruano cruzando a fronteira com o Equador e foi inevitável a lembrança de uma história que ouvi de minha avó paterna, Silvia, quando era ainda muito pequeno. Desculpem, mas vou contar, quem quiser pode pular essa parte.

 " Perto dos meus dois anos de idade eu morava com minha família em um terreno que era vizinho ao terreno de meus avós paternos e tios, como era frequente nos descendentes das famílias italianas que colonizaram o sul do Brasil, sem muitos recursos. Com muito trabalho, compravam um terreno grande, afastado do centro da cidade e iam dividindo-o com os filhos e famílias descendentes a medida da necessidade. Entre os dois terrenos corria uma "valeta"que funcionava como esgoto pluvial. E, para cruzá-la sem sujar muito os pés, pois o terreno era de terra, estava postada sobre a valeta uma tábua de uns 40 cm de largura, por talvez um metro de comprimento.  Para um garoto de cinco anos, era só algo para pular por cima, mas para um garoto de dois, se constituía em um desafio.
Contava a minha avó, com uma narrativa que prendia a atenção, pela doçura e ingenuidade, que eu escapei dela em uma manhã e resolvi pegar o rumo de casa. Ela, silenciosamente me acompanhou para saber o que eu estava planejando, observando-me sem interferir.
Caminhei ainda cambaleante até o início da grande ponte que atravessaria a terrível valeta. Isso mesmo, é assim que uma criança de dois anos enxerga, com essa proporção.
Parei antes da tábua e me sentei. Olhei para os lados, para o fundo da valeta (talvez 30 cm), e gatinhando cuidadosamente, segui até a outra margem. Em terra firme do lado oposto, sentei, olhei para trás e vendo o desafio que acabara de enfrentar sozinho, suspirei.  Segui até a minha casa."

Então, após fazer a entrada da Aduana do Equador, deixando para trás o território peruano, olhei e suspirei, como havia feito há 39 anos atrás! Era hora de seguir.

Antes de cruzar a fronteira, entrei na praia de Punta Sal, no norte Peruano! Gostei. Confiram!







Na fronteira Peru/Equador depois de fazer a papelada vejo uma Triumph pela primeira vez nesses dias, que não se tratava de Valentine. Em sua condução estava o geólogo Pablo Varela Cuervas, sujeito amigável e atencioso. Engatamos uma conversa rapidamente e fomos à um boteco localizado na aduana tomar uma água e comer algo, pois casualmente nós dois já estávamos a muito tempo pilotando e com fome., passava das 15:00h! Me passou dicas da estrada, falou que estava indo à Quito, e se eu desejasse ir pra lá, teria onde ficar e poderia me mostrar a cidade. Como estava fora dos meus planos, agradeci o convite. Mesmo assim Pablo me acompanhou por face na travessia do equador e da Colômbia e se colocou à disposição caso eu precisasse de algo. Valeu Pablo!

Pablo que me ofereceu apoio para cruzar o Equador.


O Equador é um país bonito e assim como o sul da Colômbia, as paisagens levavam meus pensamentos à filmes como Os Mercenários, gravados com muita selva e um relevo extremamente acidentado. Contornando as curvas em subidas e descidas íngremes, muitas perto do limite que se atingia já aos 40 km/h, vinha relembrando filmes e informações sobre os locais que agora estava tendo o privilégio de testemunhar pessoalmente.

O tráfego melhora um pouco, mas os já escassos 50 cm de acostamento das estradas peruanas agora, desaparecera. A condução de motos no Peru, Equador e Colômbia, incentiva a ultrapassagem pela direita, muitas vezes até, estimulada pelos próprios agentes de trânsito, como uma maneira de reduzir o congestionamento. Dessa forma, isso foi muito comum em minha corrida para alcançá-los e pasmem, não levei nenhum susto nessa condição. Já ultrapassando da forma correta, por várias vezes vi meu espaço reduzir-se ao mínimo necessário para eu passar. Ufa!
Algumas imagens feitas ao longe das estradas equatorianas:







Cheguei à noite em Guayaquil e um bom banho seguido de um merecido porém insuficiente descanso foi o que pude fazer.


De Guayaquil para Otavalo.

Saio cedo de Guyaquil com destino a Ibarra, no extremo norte do equador. A paisagem se repete e a condução continua sendo cuidadosa e difícil. Os pneus começaram a determinar alguns parâmetros de pilotagem e eu mantinha os sentidos aguçados.

Aproximadamente 30 km antes de Ibarra, chego à uma cidade muito bonita, aos pés do vulcão Imbabura e construída em torno do Lago San Pablo. Por estar muito perto do objetivo do dia, cansado e encantado com o local, decido que ficaria esta noite ali. Me hospedei na Hosteria del Lago e foi renovador. No dia seguinte rumaria à fronteira da Colômbia e queria dormir em Cali.
Deixo algumas imagens do local que me encantou: Vulcão Imbabura e lago San Pablo:













Em território colombiano!

A passagem para o lado colombiano foi cansativa, pois os trâmites aduaneiros são injustificáveis.
Chegaram ao cúmulo de me pedir um decalque do número do chassi da moto, que tive que fazer com fita adesiva e papel carbono. Depois de quase uma hora para conseguir fazer o decalque de Valentine, que estava muito suja e com cabos no meio do percurso, consegui apenas a metade dos números. Resolvi entregar assim mesmo e qual foi minha surpresa que nem conferiram. Se eu soubesse teria feito um decalque do crachá da funcionária da aduana, heheheh. Raiva!

O povo colombiano é amável e generoso. Contatei com Dário, na cidade de Pasto, que havia recebido muito bem os amigos Achilles e Gustavo e gostaria de receber-me da mesma forma. Porém, era meio dia e eu gostaria de seguir a Cali. Me passou umas dicas e segui o meu rumo.

Um detalhe é que fiquei quase 40 min parados esperando a verificação de uma ponte que estava sob ameaça de bomba. Quando liberaram, fui o primeiro a cruzá-la! Passei voando, hehehe. 
O exército estava entrincheirado, como em zona de guerra, pelotões e soldados caminhavam ao longo da via com cães e havia um clima tenso no ar, porém sem nenhum contratempo. Aliás, o exército colombiano deve ser treinado para cumprimentar, pois eu não conseguia passar por nenhum soldado que não nos cumprimentasse calorosamente, admirando a moto. Falando com Achilles, me disse que o mesmo se passou com eles.

A chegada em Bogotá!

De Cali para Bogotá, a estrada seguia o mesmo padrão desde o equador, serras, subidas e descidas, porém agora com algumas retas. Isso me possibilitou chegar na entrada da capital colombiana às 15:30h, mas só consegui me desvencilhar do tráfego e chegar à oficina "Las 2 motos" às 17:30h, onde estava programado com Hernando a troca dos sapatos e das pastilhas de freio de Valentine. Mesmo assim, com muita gentileza e atenção, o serviço foi feito, me liberando para o hotel por volta das 19h!

Muitos trechos com obras por desbarrancamento. Problema constante nessas vias.

E alguns trechos de pista excelente!

Fantastico encontrar um lugar como este para tomar um café, em plena autopista do café! Veja as fotos!



A chegada já tarde à oficina e o atendimento rápido e cordial.


O Reencontro!
No hotel, tomando banho antes de rever os amigos que ainda estavam enrolados com os trâmites para despacho das motos, a sensação foi de vitória, de ter conseguido fazer mais de 4000km de estrada pesadíssima, com duas fronteiras internacionais, pneus e freios chegando ao fim  e com muito cansaço em um tempo muito curto. Estávamos reagrupados de novo! Uma sensação de felicidade e tranquilidade invadiram o peito!
O incentivo de todos os amigos, pelas mais diversas mídias foi fundamental e passou a nítida sensação de que eu estava sempre bem acompanhado!
Cheguei em Bogotá com hotel reservado, os trâmites para despacho da minha moto bem adiantados, oficina agendada e com dois grandes amigos me esperando com muita alegria. Ainda teríamos a passagem para a cidade do Panamá, que por força das circunstâncias seria feito em separado, mas isso era um detalhe insignificante diante do todo passado até aqui e, incrivelmente isso nos tinha tirado apenas um dia do roteiro original. 
Dessa forma, o que pareceu estranho no começo, comigo parado consertando a moto e eles se distanciando por longos trechos, foi enfim a estratégia correta, uma vez que Achilles e Gustavo pararam em uma cidade estruturada, onde inevitavelmente teríamos que nos deter por dois ou três dias para o despacho das motos e revisões. Ao final, tudo certo!

Momento perseguido nos últimos dias! Exitoso! Bons amigos e muitas histórias!


Em tempo de fechar essa postagem, anexo as fotos da minha travessia com Valentine para a cidade do Panamá. Deixo um agradecimento muito especial à todo o pessoal da Air Cargo Pack, ao despachante Cristian e aos novos amigos, Capitão Alejandro Gavis Freydell, Co-piloto Arley Perez, Engenheiro de vôo Pedro Duarte e ao Técnico de vôo Erwin! Foram muito gentis à bordo do 727-200, onde demos boas risadas durante uma viagem perfeita. Registro que foi o pouso mais suave que presenciei até hoje a bordo de uma aeronave grande. Perfeito!












Meus caros amigos! Doravante a expedição se reúne novamente em solo Panamenho, onde as motos serão retiradas do terminal de cargas na segunda-feira. Já na terça a trupe segue com as viseiras apontando para Prudhoe Bay e com pneus cortando esse belo país em direção à fronteira com a Costa Rica.

Grande abraço à todos!








8 comentários:

  1. Está muito legal ir acompanhando voces, aliás estou viajando junto virtualmente. Estes relatos estão alimentando meu ego para se possível em 2017 fazer o mesmo apontar a bussola a Prudhoe Bay mas antes tenho Ushuaia este ano para fazer.

    Tenho acompanhado simultaneamente mais tres "expedições" com o mesmo rumo, o Gaúcho Marcelo Spode que já está retornando como o Arco Verde daqui de Curitiba já retornando e mais dois amigos Sergio Pitaki e Carlos Muller que estão hoje chegando a Seatlle mas ainda subindo ao Alaska.
    Continuem postando e façam uma excelente viagem, um abraço.

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  2. Que baita notícia Silvio! Expedição completa agora! Boa viagem! Take care!

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  3. Parabéns, Sílvio, imagino que seja muito mais difícil fazer 4 mil km sozinho!

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  4. Rapaz li de Cabo a rabo a história viajando junto e relembrando minhas viagens (sem tanta aventura rsrsrs) parabéns e estamos na garupa mexendo esse doce rsrsrs

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  5. Parabens Silvio!, Parabens Expedicao! Go Go AlaskA!

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  6. Fiquei muito feliz com esse reencontro. Fico imaginando a emoção do momento , inesquecível na vida de cada um de vcs. Abraço fraterno.

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  7. Queridos amigos. Obrigado pela companhia e pelo incentivo à escrita, já que como escritores somos bons motociclistas! Grande abraço!

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  8. Que belo reencontro! Avante !! Continuamos acompanhando e juntos na torcida!!

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